quinta-feira, setembro 16, 2010

O pássaro

O pássaro prendeu suas asas na mesa
enroscou os pés na cadeira
e passou uma corrente aos pés da cômoda pesada
aproveitando-se de um buraco na junta do armário
juntou mais peso à sua vida
e aguardou solenemente estático
o dia surpresa finalmente veio
com suas botas, ordens e segredos
levaram o pássaro pelo bico
levaram pelo beco
levaram junto,
a mesa, a cômoda e o armário
levaram toda a sua vida
pela porta do quarto
pela entrada do prédio
pelas ruas da cidade
entre bairros desconhecidos
o pássaro não tinha tempo
nem de olhar para os lados
o pássaro sequer via a paisagem
do lindo Rio
o pássaro nunca mais foi visto
uns acham que ele voa por aí incógnito
mas todos sabem que sua carcaça-corpo
foi desovada do lado de fora de um quartel honrado
indigente desconhecido fora enterrado
mas eles vivem tão pouco, os pássaros

ps. saiu num jornal
papel sangue
que a ditadura foi branda
pois não calou tantas vozes
em nome do pássaro
esquecido atrás do muro
de um quartel honrado
eu os calo
sentencio ao mesmo esquecimento
involuntário

Um comentário:

Snow disse...

Eu li 5x esse texto. Eu li até sangrar...
Eu lamento por todos os passarinhos..
Eu espero que hoje eles voem num bom lugar.