O que muitos poetas fazem é ir por um caminho superficial, da forma, da fôrma, do engendrado, se esquecem do que sentem para rimar. E assim, o escrito fica uma coisa assim, sei lá... sem vísceras.
Me explica como pode ter um sofrimento do tamanho de uma separação, de uma solidão, de um fim de relação sem um sentimento de "porra" incluso?
Se você foi chutado há o momento do revide, nem que logo depois se acanhe pelas infantilidades, mas o desabafo é necessário, ou então fica tudo muito cirúrgico... "Eu sinto dor, ai de mim, amem o meu poema, mas nem pensem no poeta..."
Não é isso que a poesia é pra mim. As que me alcançam precisam trazer suor, lágrimas verdadeiras e assombros e neste sentido, o Gonzaguinha tem demais.
Veja, o Renato Russo foi um ótimo poeta, mas faltou a ele descer um pouco de seu quarto e conversar mais com o porteiro... dizer coisas mais da vida dele. ok sentimento são universais... ok, eu entendo que desse jeito ele foi universal. E no que fez era bom pra caramba.
Neste sentido, o Cazuza tenta mais. ele tenta se afundar na lama... ele é bom de intenções, tenta ser um ótimo cronista, mas falta a ele um pouco de talento às vezes para o que ele mesmo pretendia fazer.
Vejam, isso é questão de gosto e de estilo...
Lembro uma vez um debate entre mim e o Dan-Dan (companheiro da minha primeira banda Monarchia de Dante - tem link do blog dele aí no lado: http://dacarpe.wordpress.com/), sobre a utilização das palavras trocador, roleta e ônibus... ele achava feio, não soava bem aos ouvidos dele utilizar isso. Já meu ponto de vista é que precisamos usar essas palavras do cotidiano pra fazer poesia...
Mas também não basta apenas usar o seu cotidiano simplesmente, não adianta colocar "Rollerflex", ou usar "Coca-Cola" como Tom e Caetano usaram. É preciso um senso de urgência em utilizar essas coisas... tem de aparecer um Jorge Ben cantando que o Charles deu bobeira e tá preso, por isso os malandros otários tão mandando no morro...
Não adianta cantar "que me acha foda", da Pitty, se você não acha uma merda sair de casa as 6 da matina e voltar mais de 12 horas depois, sem ficar rico...
Essa semana mesmo eu tava pensando nisso... ouvindo o novo CD do Teatro Mágico. Eles têm uma escrita subestimada e superestimada ao mesmo tempo. Para os detratores, eles falam lixo. E para os fãs eles são os novos Vinicius...
Nem tanto ao mar, nem tanto a Terra... tem coisas bem sacadas por ali, e eles tem a intenção de buscar coisas bem sacadas... mas falta um senso de urgência na escrita.
Nem todo romance precisa começar apresentando todos as personagens, dando e dando voltas... Clarice Lispector era mestre nisso.
Às vezes, e eu gosto mais de escritas assim, é preciso cortar esses caminhos... ir direto à questão e ser o mais claro possível
''se eu não consigo mais comer depois que ela foi embora
o vazio do meu estômago é bom
porque assim as paredes se encontram
e nem todos estão sozinhos por aqui"
Eu defendo esse tipo de poesia, de escrita autoral, visceral, chula, debochada. Acho que assim, fica rica e principalmente, verdadeira... um bom poeta tem que, às vezes, descer do salto e dizer umas obviedades para os séquitos. Afinal, há elemento mais poético na corte que o bobo? ninguém dizia mais verdades que ele...
Por isso tudo elejo o Gonzaguinha, o último dos poetas da MPB a fazer isso de forma gigante. Ele sabia tanto dizer sobre um porre tomado, como da perda da amada... ele sabia de floretes e sabia de chumbo grosso no meio da cara...
Assim são os poetas-escritores-pessoas que mais admiro e que mais me tocam... e que tento colocar nas minhas coisas tanto aqui como as do NaLaPa - minha atual banda
É Preciso - Gonzaguinha
Minha mãe no tanque
lavando roupa
minha mãe na cozinha
lavando louça
minha mãe na cozinha
lavando louça
lavando louça,
lavando roupa,
levando a luta, cantando um fog
lavando roupa,
levando a luta, cantando um fog
alegrando a labuta
labutar é preciso menino
lutar é preciso menino
lutar é preciso
labutar é preciso menino
lutar é preciso menino
lutar é preciso
a bola correndo nas pedras redondas da rua São Carlos
deságua no asfaltodo largo do estácio
e o menino atrás, ó lá
meu menino atrás e vai
mais um menino atrás
deságua no asfaltodo largo do estácio
e o menino atrás, ó lá
meu menino atrás e vai
mais um menino atrás
ô Dina é preciso
olhar essa vida,
além desse filme do cine colombo,
saber dessa lama na festa do mangue
olhar essa vida,
além desse filme do cine colombo,
saber dessa lama na festa do mangue
conhecer a fama que cantam da dama,
pois ela com jeito e carinho me chama
me leva à luta sem choro nem grama
pois ela com jeito e carinho me chama
me leva à luta sem choro nem grama
né mãe?
labutar é preciso
ô mãe,
lutar é preciso
labutar é preciso
ô mãe,
lutar é preciso
os tribo dos montes que cruzam no largo
trilhando avenidas, ruelas e becos
me deixam na lapa ou na galeria
ou no cafetania e é lá que eu encontro
papinho no ponto e volto pra casa
com ele cansado, com pouco trocado
trilhando avenidas, ruelas e becos
me deixam na lapa ou na galeria
ou no cafetania e é lá que eu encontro
papinho no ponto e volto pra casa
com ele cansado, com pouco trocado
violão calado
violão calado
violão cansado, calado, cansado
violão calado
violão cansado, calado, cansado
ê mãe,
labutar é preciso
né mãe?
lutar é preciso
ô mãe,
lutar é preciso
labutar é preciso
né mãe?
lutar é preciso
ô mãe,
lutar é preciso
mas mãe não se zangue que as mãos eu não sujo,
apenas eu quis conhecer a cidade,
saber da alegria e da felicidade
que vendem barato em qualquer quitanda,
mas volto arrasado tá tudo fechado,
talvez haja falta não há no mercado
e hoje ô Dina nem é feriado
e hoje ê Dina não é feriado
apenas eu quis conhecer a cidade,
saber da alegria e da felicidade
que vendem barato em qualquer quitanda,
mas volto arrasado tá tudo fechado,
talvez haja falta não há no mercado
e hoje ô Dina nem é feriado
e hoje ê Dina não é feriado
vê mãe labutar é preciso
lutar é preciso
ô mãe lutar é preciso
labutar é preciso
lutar é preciso
ô mãe lutar é preciso
2 comentários:
De todos os textos que li de todos os anos anteriores de escritos seus, esse foi o mais necessário para mim. Um ensinamento a quem escreve, de que estilo é livre e precisa ser encontrado, mas é preciso ser ao menos a si mesmo, se quiser ser respeitado.
Eu confesso que tenho bastante dificuldade em ser autobiográfica... eu acho que as pessoas criam uma imagem indissociável quando encontram algum detalhe fisiológico que liga o autor à sua obra e eu sempre tentei evitar... pq eu já tinha detalhes demais pra as pessoas guardarem enquanto “folheavam” minhas páginas... por essa razão eu queria ser sempre personagem, sempre fictícia...
E ler sua obra até aqui me fez repensar isso. É durou, é difícil eu reluto, mas vou escrever agora com mais verdade. Ainda que para isso sacrifique algumas rimas e principalmente, sacrifique a minha imagem.
Mas eu não tenho mais idade pra levar os segredos que ninguém quer saber para serem publicados póstumos.
Por toda a inspiração que ler isso aqui me trouxe e pela vontade de me reorganizar,
Obrigada!
eu que agradeço a leitura...
aguardando um pouco mais de vc na sua escrita e os resultados disso,
ass: seu leitor, rs
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