Acabei de assistir Lincoln do Spielberg, muito bom o filme!
Para quem como eu gosta de história política, o longa trata bem das manobras e táticas nos bastidores do fim da escravidão (oficial) nos EUA e fim da Guerra Civil deles.
Eu entendo que para não ser muito criticado, Spielberg se antecipou a qualquer fala contrária ao filme no que tange à luta dos Negros Americanos e as coloca permeando ao longo do filme. sempre ditas pelos congressistas
assuntos como
- Com o fim da Escravidão não terem traçado nenhum plano pros negros livres de adequação à sociedade
ou ainda
- Que alguns congressistas foram comprados com cargos para mudarem de lado...
Tudo isso se vê na tela e quem não quiser ver é porque está de má vontade, pois neste sentido fica até meio desnecessária algumas histórias paralelas de como alguns congressistas mudam os votos ou não, pois o filme nesta hora fica um pouco perdido - Lincoln aparece pouco e especialmente, a mulher dele que vem co-protagonizando o filme até então desaparece da história e só volta no fim...
O filme parece que foi construído em extensa pesquisa histórica, pois cada fala, personagem aborda uma epistemologia diferente de como encara-se esses eventos históricos...
Isso é bom, pois denota zelo com a questão mas, também denota um certo"em cima do murismo" pois tentam englobar no filme diferentes pontos de vista sem distinção entre eles, exceto o Pragmatismo.
Tenta-se fazer prevalecer a idéia defendida no filme por Lincoln que aquele era o ato possível e depois mais atos viriam com o tempo... E que tal tática conseguiu arregimentar vários interesses conflitosos até então.
O problema dessa visão pragmática de atos é gerar covardes nas ações, um dia ainda vão fazer um filme do Che e mostrar que o Fidel (o herói do filme) era pragmático e ele o sonhador - essa crença que Holywood quer levar adiante de que o pragmatismo alcança o que o Sonho e a Vontade não - um conselho à essas pessoas, vão ler Russeau! Ter um pouco mais de fibra nessas vossas almas!
Outro problema do filme - e este me incomodou mais ainda - é que durante o filme inteiro (2h30) há apenas quatro cenas em que os Negros falam
- uma no começo (o filme inicia com a fala de um Negro) e ele demonstra gostar muito do Lincoln apesar de querer mais dele no sentido de melhorar a situação do Negros
- outra em que uma governanta diz que recebeu castigos físicos, mas passa batido, como um raio, essa fala pois muda-se de assunto logo em seguida
- outra que essa mesma governanta fala - e aqui senti que ela falava por todos os Negros no filme - que os Negros só queriam a Liberdade sem se preocuparem com o que viesse depois, só iriam pensar nisso depois de conquistar a Liberdade - reforçando aqui a visão pragmática que o filme tenta vender
- e uma última cena de uma Negra que é esposa e governanta de um congressista e lê a Lei como foi assinada
Apenas no começo a fala dos Negros é combativa com a realidade que os cerca, e mesmo assim naquela cena tem outro Negro tentando fazer o sujeito em questão se queixar menos com o presidente.
Agora, imagina que vamos contar a história da libertação do povo de Israel do Egito...
A primeira coisa que se pensa é na epopéia de Moisés e do povo, de como eles lutaram, sofreram para conseguirem sua liberdade. Ninguém as deu para eles... eles foram lá e pegaram à força.
Esse é meu problema com a historiografia da libertação dos escravos, tanto nos EUA como no Brasil tenta se vender a história de que um sujeito Branco humanizado de bom coração se encheu de piedade e concedeu a Liberdade aos Negros.
Imagina fazer um filme contando os bastidores políticos do faraó do Egito e seus conselheiros pensando que era hora de acabar com a escravidão do povo judeu, sem mostrar durante o filme uma luta sequer, um judeu sequer esbravejando pela situação que se encontrava e pior... mostrando um judeu tendo o faraó em alta conta ao ponto de reproduzir um discurso dele? kkkkkk
Se eu fizesse tal filme seria chamado de anti sionista pra baixo... com
alguma dose de razão.
Então devemos chamar esse filme de racista? Não!
Ele é só a visão de Brancos sobre uma questão que poucos Brancos conseguem entender na pele, assim como muitos Negros o conseguem porque a vida os faz entender desde pequenos... Devemos salientar essas estranhezas mas sem deixar de curtir o filme que pode ser classificado de bem intencionado com a causa Negra naquele país - reducionista e pragmático, mas bem intencionado!
E o filme é só isso? Não, eu deixei o melhor para o fim...
Daniel Day-Lewis, Sally Field e Tommy Lee Jones - que aula de interpretação, aplausos de pé!
Daniel conseguiu fazer de uma figura histórica e imponente - vide aquela estátua - um ser humano com falhas vontades, perspicaz, cheio de maquinações (afinal é advogado rs) - Daniel está deslumbrante em cada gesto, cada passo da persona que ele montou. Não vi os outros todos mas parece certo o Oscar - e merecido, não seria injusto pois seu trabalho está livre de qualquer crítica.
Sally Field - fazendo o que sabe fazer de melhor, uma mulher forte e emotiva - a cena dos dois discutindo é pra entrar na História do cinema, ângulo, figurinos, reações,câmera... poutz! Na primeira metade do filme ela é co-protagonista e a cena que melhor explica essa personagem é um monólogo praticamente, que ela faz ao Tommy Lee. Perfeito! Também deve ir pra ela o Oscar e merecido!
Tommy - a grande surpresa do filme - sujeito que se especializou em canastrões faz um personagem que começamos odiando no filme e acabamos amando e ele consegue nos enganar todas as vezes que entra em cena... clap clap.
Bem, é isso, vão assistir esse filme que é mui bom e se forem discutir escravidão, negros, brancos, por favor não fiquem só nas cotas... a questão é mui maior que isso ok?